quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Terapia Celular em Enfisema Pulmonar




Considerando os diversos fatores para a classificação de doenças pulmonares, as patologias que apresentam, concomitantemente, características crônicas e também caráter obstrutivo passaram a ser denominadas, de forma corrente, como Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC). Uma condição patológica caracterizada por limitação de troca gasosa, não reversível. Esta limitação de troca gasosa é usualmente progressiva e associada a uma resposta inflamatória anormal dos pulmões a partículas e gases nocivos.
O enfisema pulmonar, dentro do espectro da DPOC, apresenta como principal característica a obstrução do fluxo aéreo, resultante da destruição das paredes alveolares e aumento dos espaços aéreos distais ao bronquíolo terminal, sem fibrose pulmonar significativa.

A doença obstrutiva pulmonar apresenta uma alta prevalência e um elevado custo econômico e social. Projeta-se que será, em termos globais, a terceira causa de morte em 2020. Considerando-se que os tabagistas representam cerca de 24 % da população brasileira e que, do total de fumantes, 15 % irão desenvolver DPOC, pode-se estimar uma prevalência de 6 a 7 milhões de pessoas acometidas por doença pulmonar obstrutiva no Brasil.
Apesar da inegável contribuição para o prolongamento e melhora na qualidade de vida dos portadores de enfisema, resultantes da introdução de novas abordagens terapêuticas, não se logrou até o presente uma forma de tratamento clínico eficaz, que não seja apenas paliativa. As alternativas de tratamento cirúrgico, por sua vez, apresentam uma série de limitações vinculadas à escassez de doadores, complexidade e exeqüibilidade dos procedimentos cirúrgicos.
Considerando os aspectos epidemiológicos, como a alta prevalência, morbidade e mortalidade, bem como o impacto social e familiar provocados por essa condição patológica, há uma intensa pesquisa visando novas alternativas de tratamento. Neste contexto, vários modelos experimentais têm sido propostos, objetivando o avanço no conhecimento sobre os processos fisiopatológicos e novas opções terapêuticas em DPOC. A terapia celular com célula-tronco (CT) mesenquimais ou “pool’ de células mononucleares da medula óssea (BMMC) poderá, neste contexto, contemplar novas e, talvez, mais eficazes formas de tratamento nas doenças crônicas pulmonares de caráter obstrutivo.
No conjunto geral da literatura há vários relatos tendo o pulmão como objeto de estudo da terapia celular em modelo animais e relatos consistentes que evidenciam a presença de CT marcadas nos pulmões de animais ou pacientes submetidos ao transplante de medula óssea. Em pacientes humanos que receberam, por diferentes motivos, transplante alogênico de medula óssea, foi verificado, como nos modelos de estudo animais, a migração e quimerismo celular nos pacientes receptores.
Há, como se apreende da literatura, um conjunto consistente de resultados gerados por vários laboratórios, incluindo-se aqueles obtidos por nosso grupo de pesquisa, que fornecem o embasamento experimental e justificam o emprego da terapia celular em pacientes humanos com DPOC. Os trabalhos e resultados prévios evidenciando a possibilidade de migração de células-tronco e/ou “pool” de células mononucleares para o pulmão, em diferentes situações experimentais, serviram, portanto, como referencial teórico para fundamentar a idéia original do emprego de células-tronco para regeneração do tecido pulmonar em modelos animais.
Em nosso laboratório de Genética e Terapia Celular (GenTe Cel) da UNESP (Campus de Assis, SP) foram então implementados vários projetos de pesquisa com modelos animais para indução de enfisema em camundongos (fêmeas) por instilação nasal de elastase (extraída de porcos) ou papaína (extraida do mmão) e posterior inoculação de “pool” de células mononucleares da medula óssea (BMMC).
Para rastreamento das células empregam-se como doadores camundongos machos transgênicos (com “back-ground” genético da linhagem C57BL/6) que expressam a proteína fluorescente verde (GFP) e foram gentilmente cedidos pelo Dr. Masaru Okabe (Osaka University, Japão). As células com a proteína GFP apresentam cor verde, quando estimuladas com luz ultra-violeta, o que permite rastrear a migração das células no corpo do animal receptor. Os resultados obtidos mostraram diferença estatística na regeneração do parênquima pulmonar nos animais com enfisema e tratados com “pool” de BMMC.
Embasados nestes e em outros dados obtidos dentro e fora do GenTe Cel, a equipe realizou um estudo em quatro pacientes humanos para avaliar a segurança do procedimento. Este estudo baseou-se na infusão intravenosa de células mononucleares isoladas do aspirado medular do próprio paciente acometido por enfisema pulmonar. O estudo foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP em 2009 (reg. 14764, 233/2009) e registrado no Clinical Trials – NIH – USA (NTC01110252). Os pacientes foram submetidos a testes cardíacos e de função pulmonar antes e após a infusão. Apesar da importante melhora clínica apresentada pelos pacientes submetidos ao procedimento, devido ao pequeno número de pacientes tratados, conclusões quanto à eficácia do procedimento ainda não puderam ser alcançadas. Os resultados permitem concluir que se trata de um procedimento seguro (Ribeiro-Paes et al., 2011). A partir destes resultados, um novo protocolo foi submetido à CONEP, em 28 de abril de 2011 – Registro BONEP 16 464. Foi solicitado á CONEP a realização com procedimento em 40 pacientes. Segundo o primeiro parecer (Parecer inicial 534 /2011) a CONEP liberou, para a primeira fase do projeto, o procedimento para 20 pacientes. No primeiro parecer , foram feitos vários questionamentos sobre aspectos técnicos e éticos do projeto. Todos esses questionamentos foram devidamente respondidos e/ ou adequados ás normas da Comissão. A CONEP no entanto, em novo parecer (Parecer 112 / 2012) condicionou a execução do protocolo á garantia de disponibilidade documentada de verba, salientando que…”..os possíveis Patrocinadores ainda não foram determinados…”. Este é, atualmente, o grande entrave ao início do projeto. Quanto à destinação de verba para início do tratamento experimental dos pacientes, o que se dispõe de concreto, até o momento, é a apresentação duas emendas parlamentares, de autoria do Deputado Federal Alberto Filho (PMDB/MA), destinando R$ 200 mil Reais e do Deputado Federal Salvador Zimbaldi (PDT / SP), destinado também R$ 200 mil Reais. Com este total de R$ 400 mil Reais seria possível executar a primeira fase do projeto com 20 pacientes. A emenda , no entanto, necessita de aprovação pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, para onde serão encaminhados os projetos relativos às emendas parlamentares dos Deputados Alberto filho e Salvador Zimbaldi.
Estas e outras avaliações em pacientes humanos, assim como análises em modelo animal, estão em andamento no GenTe Cel (UNESP). Trata-se de estudos pioneiros e que trazem à tona novos desafios e possibilidades para um melhor entendimento dos mecanismos envolvidos no enfisema e na atuação das células-tronco no tecido lesado pulmonar lesado.
Embora diversas evidências clínicas sejam favoráveis à terapia celular com células-tronco adultas para doenças pulmonares, sua aplicação na prática clínica como nova abordagem terapêutica ainda deve superar obstáculos, principalmente relacionados à eficácia do procedimento. Há, ainda, uma serie de questões relativas relacionadas à otimização do processo, como a seleção e mínima manipulação das células, escolha da melhor via de aplicação e o número adequado de células infundidas. Desta forma, para que o conhecimento sobre a terapia celular em doenças pulmonares avance de forma consistente, permitindo sua aplicação segura e eficiente. Grandes estudos multicêntricos randomizados sobre segurança e eficácia se fazem necessários. Da mesma forma, é importante que, paralelamente, novos estudos sejam realizados objetivando a ampliação do conhecimento sobre a etiopatogenia (as causas) da DPOC, bem como sobre a biologia das células-tronco de diferentes tecidos e as possíveis células-tronco residentes no pulmão, a fim de que a convergência de todos esses novos conhecimentos permitam avanços significativos na terapia da DPOC.
Há um longo caminho a ser trilhado. Há, como referido, uma série de possibilidades a serem testadas: qual a melhor via de inoculação do “pool” de BMMC? A terapia celular com BMMC deverá seguir um padrão de inoculação única ou tratamento crônico, com repetidas inoculações? Nesse emaranhado de testes e proposições deve-se destacar a primazia de nosso trabalho no contexto nacional e internacional. Trata-se do primeiro tratamento de pacientes com enfisema pulmonar no Brasil e no mundo com “pool” de células-tronco da medula óssea. Nessa longa caminhada permeada de questionamentos, mas de muito entusiasmo, o primeiro passo (aquele que dizem ser o mais importante) foi dado e estamos certos que com apoio do nascituro Instituto Chico Anysio poderemos caminhar com maior eficiência, rapidez e segurança.

João Tadeu Ribeiro Paes
Médico e Doutor em Genética – pela Faculdade de Medicina – USP (Ribeirão Preto / SP)
Coordenador do Laboratório de Genética e Terapia Celular – GenTe Cel – UNESP – Campus de Assis – SP



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